Respira a tua última lufada de ar. Engole o último trago de saliva. Dilacera o último pedaço do teu corpo. Deixa estagnar, coagular o sangue que te corre nas veias. Deixa-te desvanecer sob o frio e húmido solo. Jaz sob o peso da infinidade de grãos de terra que te cobrem, invadem o agora teu espaço. Engole, traga o último cm3 de terra. Afoga-te no último trago seco de terra húmida. Desaparece, tragada pelos “já a rebentar” vermes. Mas, acima de tudo mantém-te viva, entalada entre o fosco e sujo vidro e a podre madeira. Vive. Vive na parede na cómoda na mesinha de cabeceira, na velha mesa da avó – santuário da viúva. Vive, nos outros, nas memórias dos outros. Chateia-os.
E deixa-me dormir em paz que tenho sono e não me recordo de ti…
Vive inerte, imóvel no teu cadáver, putrefacto e pestilento, vive. Perdida nas paginas necrológicas de algum jornal local. Para que outros te lembrem. Para que te recordem aqueles que não conhecias e que não te conheciam.
Agora deixa-me dormir, deixa-me dormir que tenho sono e não te conheci.
Fode-te, desenterrada por algum tarado cujo sonho era que morresses. Não podendo ter-te em vida, possuir-te-ia na morte, na campa, sobre a campa, contra a lápide. Contigo a ver, fria, frígida, sem sentir, impávida e serena a assistir á tua violação. Á violação do teu cadáver, tentando perceber que pedaço de ti estaria a ser possuído.
Agora deixa-me dormir, deixa-me dormir que tenho sono e nunca te possuí…
segunda-feira, abril 04, 2005
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1 comentário:
Por mais voltas que dês á chave na porta, ha sempre uma frincha por onde aquilo que não queres às vezes consegue entrar...e perturbar...
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